Os espaços das religiões de matriz africana na sociedade Baiana
As comunidades negras tradicionais que cultuam o Candomblé na Bahia trouxeram, sem dúvida inestimável contribuição à cultura deste estado e deste país, entretanto, sempre tiveram o legado de resistência e luta pela preservação da suas tradições, diante da perseguição por parte daqueles que não toleram a liberdade cultural e religiosa no Brasil, desde o meados do séc. XVI quando iniciou-se o tráfico de negros (iorubás, bantos, nagôs, etc.) para o sistema escravocrata no Brasil Colônia. Vale ressaltar que a perseguição perdura até os dias atuais, porém com uma nova roupagem.
Esta população “livre”, predominantemente negra e pobre, recorreu à cidade em busca de ocupação, representando um grande contingente da população urbana já existente, em muitas cidades e passou a habitar áreas periféricas.
Cidades como Salvador, Maragogipe, Cachoeira, Santo Amaro e outras cidades do Recôncavo Baiano, desde o Brasil Colônia, por exemplo, foram palco de cenários como estes e são depositárias de significativos acervos etno-culturais do Brasil, seja pela música, pela culinária, pelas festas populares, etc. Sabe-se, contudo que todas estas manifestações culturais estão ligadas à cultura afro-brasileira, ligadas à cultura difundida por estas comunidades tradicionais que cultuam o Candomblé, na sua essência.
Após a lei da abolição da escravatura em 1888 um numeroso contingente negro, escravizado e livre, era a principal força de trabalho que fazia mover as engrenagens dos centros urbanos brasileiros, trabalhando na construção de edifícios, templos, cidades... e, ao mesmo tempo, havia o temor de setores da elite (ou antielite) brasileira que reclamavam reformas que colocassem fim ao que consideravam de “desordens” e ao “fetichismo africano”, e assim setores dominantes racistas e escravocratas passaram a demonstrar preocupação ainda mais com esta população negra excluída, sem terass e sem direitos. As manifestações culturais tradicionais destas comunidades foram por séculos consideradas abusos de liberdade pela sociedade brasileira, e reprimidas pelo Estado e pela Igreja, quando em ocasião de festividades religiosas por muito tempo. Por isto muitas vezes estas comunidades tiveram que se camuflar diante da perseguição e adotado um sincretismo religioso.
O candomblé se fragmentou e se camuflou e mesmo assim foi o instrumento, sutilmente, utilizado pelo povo negro para recuperar a sua origem, identidade étnica e para a proteção das formas de dominação, não abrindo mão de suas crenças ancestrais.
Com o passar do tempo, e após muitas lutas, estas comunidades, através dos terreiros de candomblés e grupos culturais ligados às religiões de matriz africana, mesmo marginalizados, conseguiram alcançar espaços singulares na cultura baiana e lutado pela promoção da inclusão social. Lideres religiosos (Yaloxixás, Babalorixás, Dotés, Donés, Ogãs, Ekedis, Egbomis, Makotas, Xicarangomas, etc.) tiveram papel fundamental, sendo verdadeiros embaixadores e guardiões em prol do respeito e preservação à tradição, à cultura ancestral. Muitos deles passaram, com o tempo a superar a perseguição e a discriminação e a abrir seus espaços a visitação de pessoas de fora e assim passou a haver também maior diálogo. Os espaços dos terreiros passaram a ser visitados por pessoas de diversas classes sociais (de e de diferentes etnias), independendo da cor da pele. Políticos, artistas, funcionários públicos do alto escalão, embaixadores, profissionais liberais (médicos, advogados, etc.)... passaram a visitar estes espaços sagrados seja para uma consulta, , participar de festas, e muitas vezes tornando-se membros destes terreiros, adeptos do Candomblé, ou simpatizantes, sendo importantes contribuidores para uma abertura nas relações com a sociedade, mesmo encontrando obstáculos. Inúmeros pesquisadores que a estes espaços iam para realização de estudos, teses, etc., sejam brasileiros ou estrangeiros também contribuíram para desmistificar mitos diabólicos que pairavam sobre o Candomblé, sendo que muitos destes acabaram também se tornando adeptos da religião e até mesmo zeladores.
Porém a principal aproximação da tradição das culturas afro-brasileiras se deu através da música, da dança, da culinária, dos símbolos, das roupas e adereços, etc. Sem falar na contribuição à língua portuguesa. Não se pode negar que ritmos como o Ijexá, o Samba, o Congado, etc. influenciaram na formação de grupos culturais como afoxés, escolas (ou grupos) de samba, capoeira, congadas, etc. e comidas trazidas da culinária africana como o acarajé, carurú, o vatapá, etc. que são parte da culinária brasileira.
Este povo que resiste e sobrevive diante dos horrores da escravidão, da exclusão social, do racismo e da intolerância religiosa que desestruturou suas famílias e quase todas as suas instituições sociais, contudo ainda habita as áreas mais pobres da cidade e um exemplo que pode ser dado é o mapeamento dos terreiros de Salvador, desenvolvido pela Prefeitura de Salvador e pela UFBA. É possível verificar ao cruzar os dados espaciais, georreferenciados neste mapeamento, que estes espaços ainda encontram-se nas periferias, nas áreas mais pobres, mais excluídas. Seria interessante que se fizessem mais estudos desta natureza que cruzassem estas informações, a fim de conhecer a realidade destas comunidades tradicionais e assim munir o poder público de informações que possam servir para que sejam adotadas políticas públicas direcionadas a reduzir estas desigualdades sociais. Estas comunidades, historicamente, têm um legado de trabalhos em prol da inclusão social, com trabalhos nas áreas de cultura, educação, saúde, geração de renda, etc., algumas vezes com apoio do Estado, que até reconhece em pequena parte estas comunidades como patrimônio cultural (e por isto tem-se alguns espaços sagrados tombados como patrimônio cultural), e deveria reconhecer outras, assim como reconhece várias Igrejas.
O poder público deveria ser um aliado mais presente nestas comunidades, na realização de trabalhos em parceria em prol da redução das desigualdades sociais existentes, da redução da marginalidade, da violência urbana, das mazelas que afligem a sociedade, num trabalho de reparação do que já sofreram desde a época do Brasil Colônia. São séculos de exclusão...São Séculos sem oportunidades. Entretanto, muitas vezes ainda é o próprio poder público o algoz destas comunidades adeptas das religiões de matriz africana. Um exemplo é o caso de cobrança de IPTU de terreiros, cuja constituição brasileira exime da cobrança, e de tentativas de “eliminação” de seus espaços sagrados sem haver diálogo.
Porém sabe-se que este cenário de “abismo” entre a sociedade, o poder público e estas comunidades tradicionais, que vem sendo superado ao longo do tempo. Muito falta ainda para que se chegue a um cenário mais favorável que reconheça o valor cultural destas comunidades que fizeram e sempre farão parte da vida e da cultura baiana e brasileira. É preciso haver melhor representação política para reivindicar direitos, reivindicar ações reparativa para aqueles que ajudaram a construir esta terra. Axé!
Ogã Lázaro
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